de sofrer e amar, a gente não se desfaz.

15.6.13

breve périplo

vamos lá.

preciso fazer um post "reminsicivo" - remissivo e de reminiscência - sobre a grécia. deixar aqui só aquela linha escrita enquanto em terras helênicas, definitivas, ia ser uma injustiça (apesar de ser mesmo verdade que não há palavras que descrevam a sensação que nos acomete nos momentos em que estamos em um lugar sempre-sonhado).

a começar, as palavras: descobri, ligando a tv da cabine do navio por alguns momentos, numa legenda de um seriado americano, que "verdade" ainda é "alétheia". algo que sobreviveu a milênios, filosofias, reformas ortográficas e fonográficas, estrangeirismos. em outra tv, do aeroporto, vendo os símbolos ensolarados que me esperavam pra meus últimos dias de grécia, descubro - ou desoculto - que "ho kairós" significa o tempo, o clima: algo que pode ter sido relacionado a colheitas e ao tempo próprio para a brotação de cada coisa. as duas palavras (até tenho uma tatuada) que pra mim eram míticas - eis outra - confirmaram e atualizaram suas existências. até comodificaram o mythos: virou marca de cerveja.

continuando, as coisas: o mar com o "halo azul fenomênico" que sophia descreve numa carta a jorge de sena existe mesmo. o mar tem uma cor profundamente azul. parece até sólido. quando o sol bate nele, parece que o fenômeno físico de refração faz com que apareçam de dentro desse azul raios dourados. juro.

[28/05/13]

meu primeiro dia em atenas.

visitei os kouros e as korai. sophia estava lá. eram as primeiras esculturas da exposição. era interessante, porque os kouros (homens) são todos gigantes e têm uma perna avançada em relação à outra (O Kouros avançou um passo exactamente / A palidez de Atena cintilou no dia//Então a claridade dos deuses venceu os monstros nos frontões de todos os templos). as korai são sempre menores que o tamanho real (o machismo de tudo). às vezes um bibelozinho, uma estatueta.

estou me sentindo uma garotinha de escola, vendo tudo isso pela primeira vez. lá vêm os franceses. ainda bem que isto não é a frança, senão um museu arqueológico com coisas do século VIII antes de cristo podia parecer um supermercado, mas não parece. até agora estou achando tudo meio rio. a rua que pega pro museu é uma rio branco. com cartazes (trago a pessoa amada), sujeira, prédios horrorosos quebrados, um calor insano. mas nada disso é ruim, me faz sentir meio em casa. neró é água. só falta descobrir como é "ave".

[1/06/13]

toda a gente merece um parthenon pra visitar todo dia ou um pôr-do-sol em mykonos ou as ruínas de ephesus para lembrar que somos mortais e eternos ao mesmo tempo.

toda a gente merece uma bonita morena à sua espera na casa onde estão as paredes que pintei de branco etc.

e mesmo que a morena seja uma ilusão - que seja uma ilusão bem-vivida e não aquelas trancafiadas no armário.

preciso ir a creta para uns dias a mais, preciso ver lesbos e hydra.

descobri que satorini, onde estaremos amanhã, é uma das ilhas do conjunto cyclades, então posso evocar sophia e pessoa à vontade. e como eu imaginava, consegui me conciliar com ela durante a viagem: foi só testemunhar o halo azul (os raios embaixo do azul real) do mar helênico/fenomênico. sophia diz a verdade (mas não toda, assim como homero)

[2/06/13]

sob os muros do teatro de epidauro. sob o sol apolíneo que nos queima reto. sob o muro do teatro e o arco da plateia: sobre o trono do coro trágico, em frente ao altar a dioníso. as montanhas como cenário oficial imóvel.

oiço a palavra alada impessoal
que reconheço por já não ser minha

 [12/06/13]

tem que viajar. em lisboa, no céu de inverno azul cristalino, entendi toda a neura da sophia com a luz. se os invernos que ela passava no porto eram iguais ao que eu passei, a substituição da opacidade do céu nebuloso de lá pelo céu claro de lisboa funcionou como um desvelamento do seu olhar.

agora, em atenas, sob um sol escaldante de primavera, entendo a fixação de sophia pelas águas de todas as fontes, fixação essa que devia ser primeiro dos gregos.

Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora,
E na face incompleta do amor.

passando pelo templo de zeus no sol de meio-dia, as colunas verticais mal fazem sombra. entro pelos fundos do jardim nacional amalias procurando um banco à sombra. à direita está uma fonte com que se presenteou a cidade de atenas no ano de 1935. em 2013, não consigo imaginar presente mais oportuno. o verde nem cheira a crise.

tem passarinho, tem criança andando de segway. é meu último dia de viagem e não quero correr pra fazer nada. tem até brisa.
é engraçado observar o turista desfazendo a pose da foto. é um ar desengonçado de quem quer provar que não é maluco enquanto desmancha o sorriso falso. tenho pensado muito no sorriso falso que damos pras fotos.

ainda mais depois de ter feito o teste pra detectar sorriso falso. acabei descobrindo que acredito pouco no sorriso genuíno dos outros. acertei 13 de 20.

a chuva melou meus planos.

[13/06/13]

o que tenho um pouco de dificuldades é ver um mar novo e não saber de imediato a quê ele corresponde no mapa mundi. aterrissando na suíça, contrariamente a todas as expectativas. a grécia ficou pra trás.

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