de sofrer e amar, a gente não se desfaz.

24.1.15

não sei o que hei de fazer com esses sonhos superados
o meu sonho dourado de ontem era outro
o de hoje não vai acontecer
e o de amanhã há de ser diferente, não sei como não lhes partir
até que se tornem a poeira de sempre das cidades

alguém disse - o que sou é terem
vendido a casa (no meu caso alugado, na grande
especulação imobiliária) - sei que não volto pra lá
mas talvez eu precise

talvez eu não fique
com essa pose de Alberto Caeiro escrevendo
na lixeira de recicláveis como se fosse uma escrivaninha de madeira
talvez eu nunca posasse
nem quando estivesse na livraria do manuel de freitas,
rua dos correeiros 60, 1o esquerdo
o verdadeiro universo paralelo (w)
onde me sinto um peixe fora d’água sem a menor condição de me estabelecer

aliás é essa a discussão que tenho muitas vezes com minha namorada
essa minha capacidade de ser inútil
e de o meu trabalho ser uma pose
o doutorado ser um devaneio intelectualoide

engraçado é eu ainda ficar chateada
depois te tantos livros declarando que a poesia é inútil
eu ainda ficar espantada
e tentar dizer que não
depois de séculos de a república estar estabelecida
depois de eras da expulsão do poeta da pólis ideal

pressinto que a pólis nunca fora isto, ideal
e agora então, olha, tá muito longe disso
mas mesmo quando caminho entre os colchões sujos dispostos
na calçada
morta de medo
de ser assaltada, ou ter uma
seringa com crack atravessada na minha aorta

penso em que caralhos esses poetas tavam pensando
quando tatearam justamente    da melhor maneira possível
a cidade justa ideal e limpa

eles não conheciam os homens
ou só posavam de balança?

Um comentário:

Samuca disse...

Veja o que a sua xará escreveu:
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/fernandatorres/2015/01/1572345-inutil.shtml

Bjos,
Samuca